segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Todo dia na minha rua, lá pelas 3 horas da tarde, ouve-se um apito. Mais alto do que o barulho dos carros passando, as pessoas falando, as construções sendo construídas. Um apito de sorveteiro, aquele mesmo que é característico da infância de todo mundo, já que todo mundo um dia já foi criança. O curioso é que o senhor que sobe a ladeira empurrando um pesado carrinho de mão não vende sorvetes e nem mesmo geladinhos. No lugar de ter um caixote térmico, ele leva consigo um amolador de facas. Quer dizer, esse senhor afia facas a domicílio, se é que eu posso usar esse termo, e ainda avisa sua seleta clientela quando está por perto fazendo uso do mesmo apito dos sorveteiros (que ultraje!). 
Facas. É o que agora eu associo ao apito. Na infância, sorvetes; na vida adulta, facas. Um tanto cômico, mas não deixa de ser simbólico. 
Como adultos temos que aprender a cortar as coisas, e eu não digo só pra cozinhar, não (apesar de isso ter sido uma coisa que eu tive que aprender, e me bati um monte ainda). É saber o que presta e o que não presta pra vida, é tomar prumo de vez. Pressão, mesmo. E ainda levar na cara por fazer escolhas, já que o responsável por elas é você - quem mais seria, né?
O senhor-afiador-de-facas-a-domicílio não deve conhecer o Dallas Green, do City and Colour, e também não deve imaginar o que eu penso toda vez que cruzo com ele e seu apito quando desço correndo a rua pra chegar até o ponto de ônibus. Mas deve saber, de fato, que lidamos com facas todos os dias, todas as horas - estejam elas afiadas ou não.


Sinto como se houvesse
uma infinidade de
pequenos
alfinetes

espetados
bem dentro
de mim.

Respirar fundo
só faz 
doer 
mais.