Sentado na escadaria da Biblioteca Pública, ele colocava os cadarços nos tênis que havia acabado de comprar. O chão molhado era apenas uma das consequências do tremendo temporal que poucos minutos antes fizera tremer chãos e pernas. Ele, no entanto, não se importava em sentar ali: pensava apenas nos tênis, em colocá-los. Calçava chinelos de dedo e estava com frio. Enquanto zigue-zagueava o cadarço entre os buracos de um dos calçados - aqui, agora lá, de novo aqui, agora lá -, sentiu o rosto coçar. Já há alguns dias estava com a barba por fazer, algo que o irritava profundamente - mais pelo esforço do fazer do que pelo incômodo ou pela coceira. Ele vivia assim, na eterna preguiça, escravo de sua inércia. Por não ver os outros se importarem com ele passou a também não se importar com os outros, e assim com o passar do tempo foi construindo um tipo de barreira, uma cápsula, algo que o envolvia por inteiro e que ele carregava sempre consigo. Estava cansado de tudo, odiava ter vivido uma imensidão de gentes e lugares sem jamais encontrar conforto, apenas a mais profunda solidão. Isolado do mundo, lhe restava pensar e observar. Ao terminar de colocar os cadarços, encarou por alguns minutos os tênis novos e limpos. Quando enfim os calçou, mentalmente exigiu que com eles algo acontecesse: algo diferente, inusitado, qualquer coisa que o salvasse. Levantou-se e ficou em pé por alguns minutos. Observou todo o movimento ao seu redor. Observou os tênis novos em seus pés.
Como nada aconteceu, saiu andando em direção à Rua XV. Pensava em comprar um sorvete.
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